COPOM ‘ATRáS DA CURVA’ PODE VIRAR MARCA DE LULA NO BANCO CENTRAL

(Bloomberg) -- Há 17 meses em seu terceiro mandato como presidente, Luiz Inácio Lula da Silva deixou sua marca em um Banco Central contra o qual tem lutado.

Quatro dos nove diretores do Copom foram indicações de Lula. Conforme os nomeados pelo presidente ao BC cresceram em número e influência, eles começaram lentamente a mudar a mentalidade de uma instituição que ultimamente tem sido agressiva, e quase obcecada, no combate à inflação.

Em contextos privados, alguns dos novos indicados às diretorias do BC parecem se concentrar principalmente na necessidade de apoiar o crescimento econômico em um cenário de queda da inflação, embora as estimativas para o IPCA sigam quase 1 ponto percentual acima da meta de inflação de 3%. Esses indicados sinalizam que o Copom – ou pelo menos uma parte em ascensão do comitê – preferiria ficar “atrás da curva”, ao prosseguir com os cortes nos juros e adiar altas de juros mesmo no caso de aumento da inflação.

Isso turva o futuro da política monetária no Brasil em um momento já barulhento. A incerteza fiscal doméstica e a relutância do Federal Reserve, o banco central dos EUA, em reduzir as taxas americanas deixaram os economistas em uma discussão de se os diretores do BC irão reduzir o ritmo de cortes — o BC derrubou a Selic do maior nível em seis anos para 10,75% — quando se reunirem a partir de hoje. A noção de um Copom “atrás da curva”, entretanto, mantém o mercado na batalha de precificação do movimento dos juros: na segunda-feira, os analistas aumentaram as estimativas das taxas de final de ano para 9,63%.

Pontos de interrogação

Durante grande parte do ano passado, o mercado focou na forma como a nomeação por Lula de Gabriel Galípolo — um antigo funcionário do Ministério da Fazenda amplamente considerado como o provável substituto do presidente do BC, Roberto Campos Neto — remodelaria a autoridade monetária. Mas Paulo Picchetti, que o petista escolheu como diretor de assuntos internacionais do banco, emergiu como o maior ponto de interrogação desde que ingressou no conselho em janeiro.

Picchetti, um acadêmico renomado com formação em econometria que também está entre os potenciais sucessores de Campos Neto, fez apenas alguns discursos públicos e disse em sua primeira entrevista à imprensa local que poderia valer a pena desacelerar o ritmo dos cortes se isso levar a juros mais baixos no final do atual ciclo de flexibilização.

Mas, em uma reunião a portas fechadas em Washington no mês passado, ele surpreendeu os investidores ao expressar mais preocupação com o crescimento do que com a inflação, de acordo com várias pessoas presentes. Picchetti argumentou que o banco enfrenta compromissos entre os seus esforços para reduzir as estimativas de inflação acima da meta e os riscos de prejudicar a economia, de acordo com seis pessoas que pediram anonimato ao discutir a conversa privada.

O Copom, disse ele, precisa descobrir por que as expectativas de inflação pioraram recentemente, depois que permaneceram 0,5 ponto percentual acima da meta por quase um ano. Se a razão dessa dinâmica é a questão fiscal, argumentou Picchetti, não há muito que a política monetária possa fazer.

O BC não comentou.

“As mudanças no Copom colocaram no cargo pessoas que não têm formação acadêmica de ‘monetarismo estrito’”, disse Sergio Werlang, economista que foi o arquiteto do sistema de metas de inflação do país na década de 90. “Portanto, a nova equipe será naturalmente mais ‘dovish’.”

Isso não significa que o BC cortará os juros de forma imprudente, disse Werlang em resposta por escrito a perguntas. Em vez disso, é provável que adote mudanças mais sutis, como permitir que a inflação fique ligeiramente acima da meta para garantir a expansão econômica.

“Acho que isso já está acontecendo e continuará”, disse ele.

Mas não falta angústia com esse tipo de abordagem em um país com cicatrizes profundas causadas pela hiperinflação. Nas últimas semanas, os investidores aumentaram as apostas de que a inflação teimará em ficar acima da meta do BC até 2027, sugerindo que estão cada vez mais céticos em relação às alegações dos diretores do Copom de que estão concentrados em controlar a alta dos preços.

A perda de confiança no compromisso do BC pode fazer com que a inflação acelere rapidamente, um argumento que os tradicionalistas dentro da instituição parecem utilizar para reagir contra os seus colegas mais tolerantes. Diogo Guillen, o diretor de política econômica do BC, deu um alarme sobre as expectativas “não ancoradas” de preços ao consumidor e o tempo que permaneceram acima da meta. Suas preocupações foram tão profundas durante uma reunião privada em Washington no mês passado que ele parecia “obcecado” com o assunto, de acordo com várias pessoas presentes.

Transição de liderança

Campos Neto, autor de uma das respostas de flexibilização à pandemia mais enérgicas do mundo, seguida de uma campanha de aperto igualmente agressiva conforme a economia reabriu, reiterou as próprias preocupações com o aumento das estimativas de inflação e a incerteza global. O Copom, entretanto, afirmou nas suas declarações oficiais que é necessária uma “ação firme” para reforçar a credibilidade da política monetária e fiscal.

“As expectativas de inflação são muito relevantes para nós e – não se enganem – é muito importante mantê-las ancoradas”, disse Campos Neto em evento em abril em Washington. “Sabemos que temos um trabalho difícil pela frente e faremos o que for necessário para ancorar as expectativas. É muito importante repetir e repetir novamente.”

Mas Campos Neto, que continua a irritar muitos dentro do Partido dos Trabalhadores de Lula, deixará o BC quando o seu mandato terminar, em dezembro.

Galípolo, uma das primeiras nomeações de Lula, ecoou os apelos do Copom por serenidade e cautela em momentos voláteis. Mas no seu discurso mais recente, ele disse que o risco é “aguardar e ficar um pouquinho atrasado” em termos de função de reação, o que daria ao BC tempo para compreender como os recentes preços de mercado impactam as metas de inflação – uma posição interpretada por investidores como alinhada à visão geral de Lula de que o crescimento econômico deveria ter proeminência sobre a inflação.

A inflação arrefeceu para 3,77% no acumulado em 12 meses em meados de abril, bem dentro do intervalo de tolerância do banco. A maioria dos analistas aposta que o IPCA permanecerá nesse nível até o final do ano.

“O movimento nas estimativas de inflação de longo prazo está ligado a dúvidas sobre quem será o presidente do BC”, disse Marcelo Kfoury, professor de economia e ex-chefe do Departamento de Pesquisa Econômica da autoridade monetária. “Em algum momento, há uma troca e surge a questão de saber se você tem coragem de continuar cortando.”

As memórias dolorosas de uma abordagem de política monetária negligente ainda assombra muitos no Brasil: durante a presidência de Dilma Rousseff, há uma década, o BC não conseguiu reagir fortemente à inflação acentuada, na medida em que o governo aumentava os gastos públicos e a desconfiança nos seus líderes alimentava especulações sobre a sua meta de inflação, o que por sua vez elevou as expectativas futuras. O que se seguiu foi uma forte elevação da Selic e uma recessão.

Poucos analistas, porém, apostam num retorno a esses anos. O BC ainda tem a capacidade de recuperar o controle das expectativas de inflação com uma melhora dos dados, mesmo que lentamente. E, embora Lula tenha criticado a abordagem, ele também é um político consciente do grave impacto que a inflação pode ter sobre os mais pobres, disse Carla Argenta, economista-chefe da CM Capital Markets.

“Há mais ambiguidade neste momento e, no geral, o BC tem falhado na sua comunicação”, disse ela. “A maneira de corrigir os movimentos do mercado é através da credibilidade.”

--Com a colaboração de Martha Beck.

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