PEGADA DE CARBONO DO VINHO ESTá CONCENTRADA NO PESO DA GARRAFA

Como uma eco-pioneira, é óbvio assinar acordos internacionais de sustentabilidade do vinho, certo? Não é bem assim, segundo Laura Catena, que é médica de formação e quarta geração da Catena Wines, da Argentina, um dos nomes mais emblemáticos do mundo do vinho. Embora pareça uma coisa simples, a execução desses acordos geralmente envolve uma série de desafios, desde dificuldades técnicas até pouca aderência entre consumidores. Além do mais, muitos acordos internacionais são bem sucedidos ​​– com muito esforço – entre as vinícolas europeias e norte-americanas, mas desmoronam quando são feitos em países em desenvolvimento, como por exemplo a Argentina.

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Há pouco tempo em uma entrevista, Laura expôs os obstáculos mais relevantes que a indústria do vinho enfrenta para promover mudanças significativas ​​e concretas em torno da sustentabilidade ambiental. Além de médica, ela também é fundadora do Catena Institute of Wine, dedicado aos estudos de um terroir a 5 mil metros de altitude, em Mendoza. Laura liderou avanços ambiciosos na vinícola de sua família desde 2010, que levaram à redução no peso das garrafas do seu portfólio em 40% — a empresa acaba de lançar um recipiente de 380 gramas para engarrafar seu Catena Appellation Malbec, muito popular nos EUA, reduzindo o peso em 700 gramas (para contextualizar, as garrafas de vinho super premium variam de 550 gramas a 1,2 quilo quando vazias).

Laura também inovou com a criação do Código de Sustentabilidade das Bodegas Argentinas, baseando-se no código interno de sustentabilidade da própria Catena Wines. Lançado em 2010, o protocolo aborda todas as entradas e saídas das vinhas e adegas, oferecendo orientações desde o planejamento da conservação da água até melhores práticas de recursos humanos. O protocolo já foi adotado por cerca de 215 vinícolas na Argentina. O sucesso do manual sublinha a necessidade de adaptar os esforços de sustentabilidade às realidades locais, em vez de aderir estritamente às normas internacionais, que podem não ser viáveis ​​em certos países.

Na entrevista a seguir, Laura fala sobre os desafios para impulsionar as questões de ESG de maneira uniforme e global. Ela sublinha a necessidade urgente de inovação, colaboração e educação para resolver tais urgências — e oferece um modelo a ser seguido pelos outros. Confira:

A Catena Wines tem uma longa história de trabalho em prol da sustentabilidade. Poderia falar um pouco sobre o Código de Sustentabilidade das Bodegas Argentinas e em que pé está a iniciativa hoje em dia?

Em primeiro lugar, é necessário explicar o histórico de trabalho com acordos internacionais de sustentabilidade do vinho. Existem diferentes contextos quando não se trabalha num país de primeiro mundo, e isso não é levado em conta em muitos dos grupos internacionais de sustentabilidade do vinho. Eles não entendem o contexto de trabalho na Argentina.

Por exemplo, em um dos grupos, era preciso declarar que iria aderir à energia solar dentro de um determinado período. Isso é realmente impossível na Argentina, onde há pouca tecnologia ou infraestrutura solar. Não há assistência governamental para essa iniciativa e a energia solar custa muito mais caro do que a gasolina. Enquanto a Europa tem tratores elétricos, isso nem sequer existe na Argentina. E depois há uma realidade da pobreza na Argentina. Uma pessoa que vive no país tem 25% da pegada de carbono de uma pessoa que vive nos EUA.

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Acredito que as emissões de carbono e os planos de redução precisam ser calculados de acordo com as circunstâncias locais. Esse foi o pano de fundo do Código de Sustentabilidade das Bodegas Argentinas, uma iniciativa que idealizamos em 2008 e lançamos em 2010. Agora, cerca de 215 vinícolas estão certificadas pelo código de sustentabilidade, que é reconhecido internacionalmente.

O passo mais recente foi um compromisso estabelecido com a medição da pegada de carbono, baseado em uma calculadora desenvolvida para vinícolas argentinas pela consultoria de certificação LSQA. Trabalhamos com o entendimento de que, uma vez desenvolvida, poderíamos ceder o modelo a outras empresas para que pudesse ser amplamente utilizada além dos vinhos Catena. Em seguida, consultamos a Wines of Argentina (principal entidade do setor, com sede em Mendoza) para nos ajudar a vender o serviço, o que está acontecendo agora.

A Catena Wines está preparada para ser a primeira vinícola com medição auditada de emissões de carbono. A nova versão do código inclui as seguintes diretivas: 1) A organização possui um plano de ação para o clima, validado pela sua gestão. 2) A organização definiu objetivos de redução de emissões. 3) A organização calculou as suas emissões de gases com efeito de estufa e definiu um plano de ação para redução de acordo com os seus objetivos de redução. 4) A organização partilha publicamente os seus objetivos e comunica os avanços que obtém na mitigação das alterações climáticas.

Quanto da pegada de carbono de um vinho se deve ao peso da garrafa?

Em algumas estimativas, isso pode representar até 60% da pegada de carbono de um vinho, considerando a fabricação, o transporte da produção até a vinícola e, uma vez abastecido com vinho, até ao consumidor final. As emissões mais elevadas provêm do transporte terrestre e não do transporte marítimo.

Especificamente na Argentina, vimos cálculos feitos por um grupo universitário financiado pelo PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) que calculou uma contribuição do vidro ainda maior. Esse grupo mediu apenas a garrafa, sem o resto da embalagem, e constatou 58% da pegada de carbono na garrafa – e isto foi para produtos expedidos na Argentina para vendas locais.

Nessa estimativa, a etapa de fabricação e embalagem contribuiu com as maiores emissões, 63% (58% com a fabricação da garrafa de vidro). Depois, 30% estavam na fase agrícola; 7% originaram-se dos processos vinícolas, incluindo o consumo de eletricidade durante as vinificações, e 1% foi na distribuição (para clientes locais). Portanto, varia dependendo da localização do cliente final.

Por que reduzir o peso do vidro é um projeto importante?

Nossa visão é estimular a produção do vinho argentino por mais 200 anos. Para isso, precisamos estar preocupados com as mudanças climáticas e contribuir para a redução das emissões de poluentes na Argentina e no mundo. Na Catena Wines, há mais de uma década nos dedicamos a reduzir o peso das garrafas. Para nossos vinhos de volume, reduzimos os pesos de forma agressiva. Desde 2010, demonstramos uma redução de 40% no peso total das garrafas nas Vinícolas da Família Catena.

Para explicar o que isso significa, o peso tradicional das garrafas de vinho super premium está entre 550 gramas e 1,2 quilo quando vazias. A Catena Wines está reduzindo o peso da garrafa de sua Catena Appellation Malbec de 700 para 380 gramas. E seus Catena High Mountain Vines Malbec e Cabernet Sauvignon, nos mercados de exportação, de 700 para 480 gramas. Estas são mudanças monumentais. Estimamos uma economia anual de 1,2 mil toneladas de vidro, o que é muito.

Além disso, temos observado um grande interesse por esse tópico, especialmente da parte dos compradores de vinho na Europa. Uma rede varejista, por exemplo, pediu-nos que assinássemos um compromisso de que poderíamos reduzir as nossas emissões de carbono em 45% até 2026. A única forma de fazer isso seria por meio da energia solar. Mas não tenho uma rede elétrica no meu país adaptada para a energia solar, por isso é impossível atender a essa exigência. Mas os governos europeus estão pedindo assim mesmo. Então, estamos conversando com o varejista e mostrando o que podemos fazer. Felizmente, alguns estão dispostos a trabalhar conosco. Estamos fazendo o trabalho do nosso lado, mas nem sempre conseguimos apresentar os mesmos resultados das vinícolas de países com mais infraestrutura.

Que desafios enfrentou quando optou por reduzir o peso das garrafas?

A transição não é fácil. Temos a sorte de um dos nossos fornecedores de vidro ser a Verallia, uma empresa francesa muito focada nas mudanças climáticas e com fábrica na Argentina. Eles têm toda a tecnologia necessária na França e podemos aproveitar essa tecnologia para uso na Argentina. Você realmente precisa de muita tecnologia e conhecimento para fazer garrafas mais leves. Por exemplo, há pontos nas garrafas que são fáceis de quebrar. Quando você muda para garrafas realmente leves, com menos de 400 gramas, existem alguns desafios adicionais na linha de engarrafamento – você não pode movê-las ao longo da linha na mesma velocidade, pois elas estão sujeitas a quebrar.

Mas não queremos ter apenas um fornecedor, por isso precisamos de outros fornecedores de vidro para trabalhar com as garrafas mais leves. Trabalhamos com vários produtores de vidro e isso nos ajuda a manter os preços do vidro acessíveis. Então precisamos que os outros também adotem as garrafas de vidro mais leves.

Há também um desafio em termos de percepção do consumidor. Atualmente, colocar um vinho barato em uma garrafa mais leve não é problema, porque as pessoas farão suas escolhas pela marca e avaliações. A garrafa não é tão importante. Mas para os vinhos mais caros, é como comprar um frasco de perfume. Você não quer apenas uma linda garrafa, mas também uma linda rolha e uma bolsa chique quando sair da loja. Não creio que as pessoas já tenham evoluído o suficiente para dizer: “ei, não me venha com essas coisas sofisticadas”. É injusto pedir a um produtor de vinho que assuma essa responsabilidade.

Quanto o preço difere entre garrafas mais leves e mais pesadas?

Em geral, garrafas mais caras podem custar cerca de US$ 1 (R$ 4,97) a US$ 2 (R$ 9,94). Garrafas mais baratas podem custar a metade desse preço, mas varia de país a país. E embora garrafas mais leves pareçam mais baratas, isso não é verdade.

Trabalhar com garrafas mais leves pode, na verdade, ser mais caro do que com garrafas mais pesadas. Porque há mais quebras e é necessário um controle de qualidade adicional para evitar que isso aconteça, o que custa caro. Precisamos de máquinas e uma pessoa para monitorar o processo – gastamos muito dinheiro para ter certeza de que não há vidro dentro das garrafas. É um processo de controle de qualidade mais elaborado.

Ainda não estamos lá, mas acho que precisamos chegar a um ponto em que o consumidor vai dizer: “Estou disposto a pagar mais ou o mesmo para obter uma garrafa mais leve”, sabendo que o custo para o meio ambiente é menor e que vale a pena fazer a mudança.

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